EU,PROFESSOR
AOS ALUNOS
Vírgula. Lecionar é dar lições. Ponto e vírgula. E aprender. Ponto final.

Opúsculo, artigo, livro, poesia, romance, dramaturgia.
Perpetrei de diferentes maneiras.
Uma delas foi o discurso-palestra proferido por mim como ‘paranympho dos bacharelandos de 1905’ e publicado na Revista da Faculdade Livre de Direito da Bahia, em 1910, sob edição dos doutores Antonio Moniz Sodré de Aragão, Joaquim de Aguiar Costa Pinto e Eduardo Godinho Espinela. Editado pela Lhito-Typografia Almeida na Rua da Alfândega 36.
Foi uma espécie de Oração aos Moços, para parafrasear o venerando Ruy – ou Rui –, o Barbosa. Gosto porque começo pelas palavras FELICIDADE e SOCIAL.
Isso muda muito.
As palavras são bisturis que penetram na carne para salvar o corpo.
Exmo. Snr. Conselheiro Director,
Exmas. Senhoras,
Meus Senhores.
A felicidade social pela obediencia aos preceitos impostos à communhão e a cada um de seus membros, eis o alvo supremo a que tendem os esforços dos governos honestos e capazes, eis o desejo sublime, puríssimo, dos patriotas sinceros. Mas, que brilhante utopia aquelle alvo posto em culminancia inaccessivel! quão cheio de decepções o despertar daquele sonho de impossiveis anhelos! Não quer a humanidade ter a mira segura, bem orientada, na recta inflexível do direito, nem se lhe agita o coração no culto grandioso da justiça: olhos cerrados aos esplendores do céo, desviados das claridades do bem que por acaso se espalham sobre a terra, para se reconcentrar toda em seu egoísmo, corre como um cégo estonteado por onde o attrae o delírio, sem perceber o abysmo em que se vae despenhar.
A Historia registra, mais ou menos nitidamente, os desfallecimentos, a ruina dos povos que se não firmam na virtude; ella mostra, na frase do Tito Livio, que a decadência das nações se origina sempre do enfraquecimento da disciplina, do desregramento dos costumes, do abuso dos prazeres, dos desvarios de um luxo escandalôso. Mas tudo isso é o resultado do menosprezo ao direito indispensavel à vida ethico-social dos indivíduos como o sangue que lhes percorre as artérias a seu desenvolvimento physiologico.
Feliz o povo que se pode dizer fortalecido pela fibra por BAGEHOT denominado legal, e que lhe dá a capacidade de submetter-se ao imperio justo da autoridade constituida para o bem-estar dos governados e dos que governam. Feliz o povo que se volve para a montanha altissima da civilisação, em cujo cimo fulge, como pharol incomparável, attrahindo a humanidade, perdida nos mares aparcelados das ambições geradoras das guerras, ou apercebida para a conquista do vellocino do progresso, o Direito que os Romanos exprimiam por um vocábulo onde se confundiam a ordem legitima do poder soberano e a inspiração suprema da justiça .
É muitas vezes abusando das credenciaes da sciencia que se enthroniza o sofisma, deturpados os processos da logica; e – consequencia funesta – espalham-se os erros em bandos de abutres pavorosos, enxameiam como vespas enraivecidas theorias subversivas e em nome do justo e do racional se levanta a astuciosa mentira, mascarando a humanidade para o carnaval de suas miserias, ou melhor, para a tragedia de sua propria ruina. A certos espiritos, intitulados independentes, não apraz representar o homem como elle é em seu organismo, em suas tendências, em suas aspirações, m as impor-lhe a convicção de que seu ser é estranho ao que elle sente, ao que o commove, mesmo a contragosto, em todas as phases de sua vida; e que é uma loucura, uma phantasia de imbecil, a unica felicidade que, não raro, lhe é dado entrever junto aos paúes da existencia: aspirar uma vida melhor, onde se desdobre o bem em sua plenitude, onde soffra o crime a merecida punição.
Despido o coração da coiraça da crença, para entregar-se todo à determinação das paixões; velada a inteligencia pela caligem dos ensinamentos sem Deus; para onde se voltará a alma humana, quando as paixões fartas ou desenganadas lhe trouxerem o tedio ou o desespero; quando suas idéas se entenebrecerem na pavorosa noite da duvida, da negação de tudo que não seja o impiedoso nada após o tumulo?
Outras vezes é a força brutal, o poderio ferrenho dos despotas, que impõe o culto da iniquidade e da baixeza aos envilecidos subditos. Debalde surgem os protestos dos peitos varonis e sobranceiros. Forma-se pouco e pouco o ambiente do terror e, condensando-se a asphyxia do pavor e das violencias, mais e mais requintados, aniquila a lei, em cujo nome se vibram golpes mortíferos sobre a liberdade e se inhuma o direito. Para onde se volver o coração humano a implorar soccorro, a pedir coragem para resistir, paciência para soffrer sem rebaixamento, se os dictames da justiça se divorciarem dos da moral, que ensina o segredo da formação da probidade e da energia e que não pode ter suas raízes nas incertezas humanas, mas lá onde se ostenta o excelso throno de todas as virtudes?
Deveis comprehender, deveis sentir commigo, meus senhores, a grandeza da verdade que vos exponho. E por isso mesmo nenhuma duvida podeis alimentar sobre a magnitude e as difficuldades do sacerdocio da lei, a cuja investidura devem fugir quantos ambicionam as delicias e os rosaes da vida sem os espinhaes e os tropeços amontoados pelo crime ante as caravanas do bem. Releva posto em evidencia e meditado este conceito, agora principalmente que por todo o nosso estremecido paiz a desorganisação social se sente, se deixa tocar, em todas as relações da vida politica e até na atmosphe ra do lar da familia.
Que elementos mórbidos determinarão esse quebramento de vínculos respeitaveis, essa desaggregação perigosa, esse desrespeito a todas as leis, a todas as instituições, levando-nos a um cháos, do qual só poderá surgir a anarchia? Devemos confessar com um profundo pensadôr brasileiro que “não há outra causa do erro nos calculos da politica e na resolução dos problemas sociaes senão o esquecimento da grande incognita – a Providencia Divina. Sem Deus nada se explica: não há escólas nem theorias, postulados nem hypotheses que o substituam na synthese dos fenômenos e nas leis a que se applica a intelligencia humana.”
Quando o incomparavel prestigio do Presidente ROOSEVELT approximou os diplomatas do imperio moscovita e os representantes do Mikado, e a paz se firmou, cessando a medonha carnificina que, de longos mezes, ensanguentava terras e mares da Asia, Portsmouth, ao mesmo tempo que se celebrava pelo bronze dos canhões a festividade da reconciliação dos pavorosos inimigos, pelo bronze dos templos enviava ao Senhor Deus dos exercitos as demonstrações de seu regosijo e os votos de sua gratidão. Poucas semanas depois, entre nós, o celebre prefacio à plataforma do candida to à magistratura suprema da Republica, um dos nossos políticos de maior nomeada preconizava o atheismo como elemento necessario a nosso progredimento, declarando a indifferença religiosa a mais bella estrella do nosso firmamento politico.
Entretanto, meus senhores, em seus Estudos de Historia do Direito Romano, a palavra insuspeita de FERNANDO PUGLIA nos ensina: “A religião christan fez sentir a sua influencia benefica sobre o direito e propriamente sobre aquella parte do direito privado, que concerne à familia e ao direito patrimonial. A pátria potestas tinha soffrido já uma profunda transformação, tornára se pretas, e o christianismo pôde firmar sempre mais este conceito. O matrimonio, instituto jurídico e social, consolidou-se em suas bases, adquirindo o caracter de um sacramento e por isso de um liame indissoluvel. O direito successorio foi regulado segundo os vínculos de sangue”.
E JOSE CARLE demonstra que a humanidade ensinada pelo christianismo, abrindo nova phase ao poder politico em Roma, fez que se esboroassem as bases falsas sobre que se erguia o Imperio dos Cesares. “Ao amor limitado à pátria o christianismo antepõe o amor ilimitado de Deus e do proximo; à ambição desenfreada de poderio, de gloria, de império, faz succeder a humildade nos pensamentos e nas obras e o amor da pobreza. O christianismo está muito longe de querer combater o império, do qual os christãos constituem tambem optimo elemento, entretanto, combatendo a religião, a philosophia, e os sentimentos, em parte artificiaes, sobre que se tinha levantado o edifício romano, destruiu pouco a pouco aquele cimento ideal, que servira para ligar-lhes as varias partes”. Por sua vez acrescenta o notável professor da Faculdade de Direito de S. Paulo, tão cedo roubado ao nosso caro paiz, o Dr. JOÃO MONTEIRO, citando o trecho da epistola de S. PAULO AOS GALATHAS: “< i>Não há mais judeus nem gregos, escravos nem senhores, todos são um em Jesus Christo”:
“O christianismo derrubara as barreiras que, em razão da differença das raças, separavam os homens. A charrua, que até então servia para cavar as linhas diviso rias do pomarium, passou a lavrar os campos agora abertos à communhão laboriosa do amor universal. “Inter nos cognationem quandam natura constituit”, disse o jurisconsulto FLORENTINO, inspirado em SENECA.”
Porque então empanar a luz da Historia? Quando a irreligião empolga os governos, para estes não têm valor os ensinamentos da grande Mestra da vida. Só muito tarde é que se voltarão para o passado, tremendo pelo futuro, quando já não puderem abafar as chammas do incendio ateado pelo orgulho ou pela imprudencia; quando já lhes fôr licito cerrar ouvidos às imprecações da multidão cujas paixões alimentaram e que, não satis feitas estrugem na praça publica.
É incontestavel que o direito, para expandir-se plenamente, recebe efficaz auxilio da moral; é certo que esta mais refulge e mais se aperfeiçoa, quanto mais se approxima da Divindade: é , portanto, evidente que do convívio harmonico do direito, da moral e da religião decorrem ele mentos preciosissimos para a felicidade social, já que não respeita aos interesses dos indivíduos – jus privatum –, senão tambem no que concorre à ordem politica – jus publicum.
Assim sendo, meus senhores, norteados pelas lições da historia, apercebidos para a lucta por um longo e proficuo tirocinio, ardendo no desejo de bem servir a pátria, uma vez que investidos sejais das honras e responsabilidades do vosso nobre gráu, incumbe-vos, como guardas atentos das tradições do direito, trabalhar com empenho pelo desenvolvimento e brilho das letras jurídicas. E é isso uma tarefa difficil entre nós, muito mais que o que nos revela um exame superficial, se atendermos à confusão da nossa multiplicadissima e mui embaraçosa processualística; obscurecendo e embaraçando as leis adjectivas a unidade do nosso direito substantivo; creando-se dest’arte obstáculos ao progresso do espirito jurídico que, na expressão de FILOMUSI GUELFI “tende a egualar as differenças que surgem nos vazios in stitutos, porque uma é a idéa genérica do direito”, ou melhor, na phrase consagrada de Vico jus aeternum verum.
Creada a celebre Universidade de Coimbra, os Estatutos de 1559 tiveram o cuidado mais particular porque das cathedras dos mestres partisse a palavra reflectida e prudente a corrigir as incertezas da pratica processual e os desvios do fôro; 346 annos depois, nos resplendôres do século XX, voltamo-nos para os velhos estatutos, pesarosos de nosso regresso em assumpto de tamanha relevância. E a confusão irá por diante, avassalhando as bôas normas, se vós e todos quanto se dedicam ao culto do direito não vos oppuzerdes, com denodo, à barbara invasão.
Tem decisiva influencia sobre o progresso de um povo a palavra de seus jurisconsultos; perscrutando as necessidades mais palpitantes da patria, afim de lhes prestar adequado subsidio, ou legislem, ou julguem ou abracem a nobre carreira da advocacia, os juristas deixam patente a transcendencia de sua tarefa social.
Nada ha de mais grandioso e difícil na vida politica de um povo, que legislar com sabedoria e justiça, de modo a se poder garantir eu sob a lei está a liberdade – sub lege libertas; – nada tambem acarreta mais desastrosos resultados que uma legislação imprudente, que não extende suas raizes pelo campo sagrado do direito.
É mais facil commeter erros que corrigil-os depois de cometidos; e por isso, enxertadas na lei prescripções vexatórias e despoticas, não será para uma geração o extirpal-as. Ora, o maior escrúpulo deve presidir à escôlha de legisladores capaze s e conscienciosos; cabendo-lhes dirigir os destinos nacionaes para o engrandecimento ou para a morte, pois as leis de um povo dão a nota segura de sua vitalidade, não se deve deixar ao favoritismo mediocre, aos habeis intrigantes da pseudo-politica, incumbência de tanta monta e responsabilidade. Esses não comprehenderão a interrogativa do nosso grande TEIXEIRA DE FREITAS: “E que maior bem se pode fazer a um povo que lhe dar leis perfeitas e justas?”.
A magistratura “a religião dos que julgam”— tem muitas vezes em suas mãos os mais palpitantes interesses da honra, da familia, da propriedade, da segurança, da liberdade e da paz. Não legisla, mas applica a lei aos casos concretos, quando a lei se amolda aos principios constitucionaes; e errando ou desvirtuando sua missão nobilíssima, produz males mui sensíveis, comquanto menos extensos e duradouros que os decorrentes das leis que se contrapõem aos princípios eternos do direito, ou que não provêem às necessidades da co mmunhão.
Inclyta e alevantada é sem duvida a jurisprudencia cultivada por uma sabia e honesta advocacia. O patrocinio das causas à luz dos sãos preceitos da moral, na preciosa observancia dos institutos legaes; a prudência e o desassombro na defesa dos perseguidos e dos fracos; a mão protectora que se extende sobre a cabeça do desamparado, por meio da assistencia judiciaria; o concurso do talento e da illustração à< /span>s decisões dos magistrados; a collaboração, indirecta embora, mas constante e efficaz, na confecção de leis adequadas ao processo e às urgencias do momento juridico: eis outros tantos assumptos elevados e sugestivos para os ministros do direito.
Fóra desse opulento campo das sciencias juridicas, no departamento das sciencias sociaes, se vos deparam as mais notáveis e proveitosas lições para a prosperidade do povo, pela boa administração dos negocios públicos; pelo probidoso e honesto dispendio da fortuna accumulada pelas fadigas, pelo suor e pelo sangue dos contribuintes; pela expansão das riquezas, mediante o desenvolvimento do commercio, da agricu ltura, das industrias; pelo estreitamento das relações inter-nacionaes, visando ao equilibrio das forças que se não acham arroladas e numeradas nas estatisticas das nações, mas representam as energias puras e ideaes da humanidade.
Comprehendeis, pois, ó meus jovens collegas, a excellencia de vossa missão, a cujo cabal desempenho tentarão oppor-se mil vaciados empecilhos. Tende, porém, a certeza de que animados pelas inspirações da justiça e pelo amor da pátria, haveis de triumphar, conquistando os laureis de benemeritos.
Tereis, sim, de lucrar porque cesse no Brazil essa conflagração detrimentosa de leis que, a pesar nosso, nos lembra, com emérito civilista pátrio, aquella phrase causticante e verdadeira de TACITO: Plurimae leges corruptissima republica. Apreciareis devidamente a phraseologia hypocrita dos que se inculcam de fetichistas da nossa Magna Carta, como do idolo da democra cia perfeita, insurgindo-se contra sua revisão, e que todos os dias lhe rasgam as paginas mais brilhantes ou poem embaraço à fiel observancia de seus textos mais insophismaveis; dizendo-se amantes da harmonia nacional, da unidade politica da patria, e obstando à regulamentação do art. 6º da Constituição; fingindo não perceber o desprestigio do poder judiciario retalhado em uma dupla magistratura – a de primeira e a de segunda classe – como lhes chamou distincto professor desta Faculdade, sendo esta, a dos Estados, o joguete dos caprichos do poder executivo e da incompetencia, quando não da má vontade, dos legisladores chamados, em sua maioria, da politicagem dos campanarios para cooperar na obra do seu proprio aniquilamento, desde que tudo abdicam de suas prerogativas em prol da supremacia dos grandes eleitores; verberando o systema parlamentar, mas praticando do parlamentarismo o que nelle se immiscuiu de mais deprimente e impatriotico, pelos convicios, pelas objurgatorias contra os secretarios, do Presidente da Republica, em regimen presidencial, à semelhança das veementes interpellações que, na Monarchia, derrubavam ministros e até ministerios e partidos. Ouvil-os-eis proclamar a excellencia do suffragio universal para a investidura dos mais altos cargos da Republica, ao passo que é o conciliabulo de alguns chefes poderosos que designa os futuros felizes titulares, acontecendo que o Presi dente, nos primeiros tempos do governo armado de omnipotencia, é nos últimos acobertado por uma condescendencia pouco generosa, que mal se disfarça, a pretexto de conveniencias politicas. Tereis de enfrentar os scepticos que, amparados pelos commodos da fortuna, malbaratam a riqueza publica e vão quebrando os laços da união brasileira pelas rivalidades, pelas questões de limites inter-estadoaes, pela inconveniente discriminação , em assumptos transcendentes da pátria, de pequenos e grandes Estados; espalhando a mancheias a sizania que se alastrará pelo campo onde devia florescer o trigal da fartura e a oliveira da concordia. Tereis de profligar as arriscadas operações, o s empréstimos onerosissimos, com que a imprudência ou o pouco escrupulo nos vai jungindo ao estrangeiro. E quem sabe se depois protectorado petulante quererá immiscuir-se em nossa vida politica, ou se republiquetas ousadas e aventurosas pretenderão retalhar nosso immenso territorio?
Mas, que digo, meus senhores?
A nossa Patria, o nosso Brazil estremecido, que às phalanges brilhantes de uma mocidade briosa e illustrada vai juntar mais um esforçado pugillo de distinctos filhos desta Academia, despertará do lethargo em que a fizeram cahir desalmados narcotizadores, e baterá as legiões negras da perfídia e da corrupção, propugnando a integridade nacional pela unidade do direito, pelos esplendores de uma soberania sem sombras nem duvidas, mantendo-se firme e nobre no lugar que lhe destinou a providencia. Eis-vos, meus bons amigos, no termino do itinerario que, animosos, hav&i acute;eis traçado e, jubilosos, tendes percorrido. Tempo houve em que resumistes todas as vossas aspirações nesta sagração de levitas da lei e do direito como num ideal supremo ante cujas scintillações desfalecia o brilho do sol de todos os anhelos. Chegais vencedores. Incumbe-vos agora recolher os louros conquistados e depô-los aos pés da Patria, em nome da Liberdade e da Justiça. Não esmoreçais; terçai com denodo as armas de fina tempera em defeza do direito e do bem: e quando o desanimo vos quizer chumbar à inercia dos incapazes, à fraqueza dos vencidos, entontecendo-vos com a pú< /span>trida exhalação das miserias da vida, levantai os corações muito para o alto, invocai o ETERNO DEUS de nossos antepassados e vos sentireis paladinos invenciveis da verdadeira democracia.
‘DIREITO DO DIREITO’
Como já escrevi por aqui – não recordo se adiante ou para trás – o juiz tem um martelo para bater na madeira. É o malhete. Faz parte dos três símbolos da Justiça, junto com a deusa Thêmis e a balança da justiça comutativa.
O juiz não tem prego físico, mas metafórico, pois crava uma sentença. Algumas instâncias superiores podem revogar ou o caso ser revisado por novas provas.
Será que a lei de Deus pode dizer se algum veredito pode ser certeiro ou incerto?
Já na minha quarta idade, o professor Nestor Duarte teve a delicadeza de exprimir o que se passava por uma mente já cansada de tantas coisas que testemunhei. Terá sido uma espécie de vaticínio.
Deixo a análise para você, que me acompanha. Foi o que escreveu o Nestor:
– A fria judicatura que lhe refreava os ímpetos, já castigados pela orientação conservadora de sua crença, do catolicismo filosófico, não mais lhe tolhia os ímpetos e os surtos outros da sensibilidade de professor e do mestre da mocidade.
Em parágrafo longo, explicíta:
– Êsses contrastes, como bem salientou, com humor comovido, um dos seus ilustres filhos, se retratavam fisicamente na fisionomia do Juiz sereno, que amortece os excessos e os lampejos, e na do professor e orador, já vibrante e nervoso, a tentar mastigar o bigode, que os dedos agitados repassam e machucam, no instante mesmo em que nele explodem os vivos anseios da liberdade, simpatia humana e franca solidariedade pelas grandes causas e por seus combatidos seguidores.
Entre o catolicismo filosófico e o bigode mastigado, questiono o que dirão de meu conservadorismo.
Sou, assim como você, fruto de uma época.
Cri no que vi e li. No que sonhei, também.
Já do bigode – e das unhas – cuidava Carolina, com sua tesoura de costureira amadora. Os cabelos ficavam para meu barbeiro preferido, Pedro Inácio da Zefinha, na Baixa do Sapateiro, onde eu aproveitava para fazer as compras do mês.
Gostava da prosa furada e das novidades policiais que contava aos seus fregueses. Até sentenças de juízes eram julgadas nas confortáveis cadeiras da Barbearia. Tinha dia e hora marcada para não perder tempo, enquanto Calu anotava os preços do que necessitávamos. A casa era povoada e sempre tinha um aniversário para comemorar.
DEGRAU 60 ANOS

Aos 60 eu era assim.
Magro de dar dó...
Mas elegante...
ANTES DA 2ª GUERRA
Não sei o que aconteceu após o segundo conflito mundial. Os brasileiros, afinal, sob Getúlio, entraram nos combates contra a Triplice Aliança do lado de lá do Atlântico? Afetaria nos nascimentos e mortes do lado de cá?
Por favor, contem e me contem.
Faltando um ano para a minha partida, recebi uma delicada carta do vice-reitor da Universidade de São Paulo – e diretor da Faculdade de Direito –, que queria me introduzir um vice-cônsul da Itália. Não recordo como terminou esta questão. Afinal, já começava a se formar a união entre nazistas e fascistas. Duvido que o tal vice-cônsul fosse isento. Mas vale apresentar a tal missiva, cheia de boas intenções.
Como dizia Shakespeare, o inferno está cheio delas...
FACULDADE DE DIREITO DE S.PAULO
GABINETE DO DIRETOR
Número 1234/5 São Paulo, 26 de outubro de 1938
Exmo. Snr. Conselheiro Filinto Justiniano Ferreira Bastos
DD. Diretor da Faculdade de Direito de Salvador da Baía CIDADE DE SALVADOR
Eminente Mestre e Prezado Amigo Snr. Conselheiro Filinto Bastos.
A grande e gloriosa Baía vae ter uma agradável surpreza. Foi transferido para aí o Vice-Consul da Italia nesta cidade, o Cav. Giovanni Betteloni, figura de modesta aparência, porém amigo encantador, apaixonado da nossa literatura e da cultura brasileira em geral, e mentalidade de poderosas energias realisadoras. A ele deve São Paulo os passos iniciaes do Instituto Italo-Brasileiro de Alta Cultura, (Secção de São Paulo), recentemente fundado sob a competente direção do Prof. Luciano Gualberto, notável catedrático de Urologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mereci a honra de ser convidado para primeiro Vice-Presidente, sendo segundo vice-presidente o snr. Ancona Lopes, terceiro vice-presidente o Prof. Jorge Americano, da Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo, e quarto vice-presidente o snr. Vicente Amato, - com excepção do meu, nomes do maximo relevo social e intelectual brasileiro e italiano.
Também a Tesouraria está confiada a um eminente banqueiro italiano e a um eminente banqueiro brasileiro, fazendo parte do Conselho Deliberativo e Consultivo notaveis personalidades pertencentes a uma e outra Nação. O Instituto Italo-Brasileiro funcionará sob os auspicios de nossa Universidade, de modo a dar os primeiros passos sem qualquer custo, e constituirá dentro ___ pouco um avultado patrimônio, não inferior a três mil contos __ de réis, a ser empregado num edifício inalienavel destinando a ___ renda no centro comercial de São Paulo. Com as rendas desse edificio se custearão todas as despezas. As grandes firmas comerciaes e bancarias subscreverão cinco contos de réis, cada um ___ si não quiserem subscrever mais, podendo pagar as subscripções de uma só vez, ou em duas, quatro ou seis prestações. Os particulares, brasileiros e italianos, amigos da Italia e do Brasil, subscreverão o minimo de um conto de réis cada um, pagavel tambem em uma, duas, quatro ou seis prestações.
Vão constituir-se delegações e delegados individuaes nas cidades do interior de São Paulo e do Brasil, para dar ao Instituto (Secção de São Paulo) a máxima eficiencia. Os contribuintes do Instituto gosarão de vantagens nas viagens dentro e fóra do Paiz, que ele promoverá, bem como na compra de livros, assinaturas de revistas, serviços de informações, boletim periodico, participação em festas comemorativas, concertos, conferencias, espetaculos dramáticos. Ainda, si qualquer dos socios que contribuiram com o mínimo de um conto de réis, e que são remidos, cair em grande penúria, poderá pedir ao Instituto, para si ou para pessoa de sua familia, que com ele móre, um socorro hospitalar, um auxilio para uma operação cirurgica, ou outro socorro urgente e dispendioso para o qual lhe faltem total ou parcialmente os meios.
Estou lhe escrevendo estes detalhes, todos, eminente amigo snr. Conselheiro Filinto Bastos, para dizer-lhe que em tudo isso trabalhou, com grande tacto e finura, espirito de sacrifício e ilimitada dedicação no futuro das relações intelectuaes e economicas da Italia e do Brasil, o prezado amigo que tenho a honra de apresentar a V.Exa.
Estou certo de que ele gosará da inapreciavel vantagem de se encontrar frequentemente com o ilustre mestre, com quem só tenho tido a ventura de encontrar-me nas peregrinações pelos seus livros, refertos de ensinamentos e de lições magnificas.
Estou também certo de que o Cav. Bettelloni, animado pela sua acolhida, e pela de todos os ilustres amigos da Baía, “terra de glorias, de canções, de brios, - na frase do grande vate condoreiro, ha de fundar, dentro em pouco, aí, na Baía, uma Secção baiana do Instituto Italo-Brasileiro de Alta Cultura, filiando-o, como o nosso, ao Instituto do Rio, mas conservando uma autonomia administrativa e financeira que lhe permita vida prospera e feliz, para honra das duas grandes Nações Amigas.
É possivel que, no ano proximo, um cruzeiro cultural, que vae aos Estados Unidos, toque na Cidade do Salvador, e talvez mesmo seja obrigado a isso, para receber os que dele participarão, como o snr. dr. Berbert de Castro, e outros. Terei então o grande praser de abraçar o eminente mestre, e estreitar nos braços o amigo querido, que só então conhecerei pessoalmente, depois de tantos decenios de crescente admiração.
Queira, Exmo. Snr. Conselheiro Filinto Bastos, contar sempre com a amizade afetuosa e a estima muito cordeal do,
SPENCER VAMPRÉ
Vice-Reitor da Universidade de São Paulo
e Diretor da Faculdade de Direito
Eu mesmo já estava muito afastado dos meus afazeres de diretor e professor da nossa faculdade bahiana.


DISCURSO SO PARANYMPHO _ 1905

CARTA DO DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO _ 26 OUTUBRO 1938
https://direito.ufba.br/revista-da-faculdade-livre-de-direito-da-bahia
link para pesquisar sobre livros de Filinto Bastos na Faculdade de Direito da Bahia
É interessante para pesquisa...